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O Laudo Pericial Trabalhista e os elementos a serem observados pelo profissional de Direito sob a ótica da Psiquiatra Forense

Texto escrito em parceria com: Dr. José Alceu da Silva Lopes (CRM 139.662 / RQE 77.429), médico psiquiatra forense pela FMUSP e sócio-diretor da Ethos Psiquiatria

 


Este texto trata das principais particularidades do laudo pericial de um processo trabalhista e seus elementos fundamentais. Ao atuar em causas trabalhistas que demandam avaliação pericial psiquiátrica, é importante que o advogado esteja atento aos detalhes cruciais aqui abordados, uma vez que estes são capazes de delinear o resultado final de uma causa trabalhista.


A avaliação pericial e, consequentemente a elaboração de um laudo, pode ser solicitada pelas partes envolvidas (reclamante e/ou reclamado) e condicionada a apreciação para eventual determinação dos Juízes e Juízas de Direito, a partir da necessidade da justiça de obter uma avaliação técnica imparcial e especializada de um assunto médico para então, posteriormente e com base no laudo pericial, ter fundamentos robustos, advindos de especialistas, para embasar suas decisões. Ou seja, é peça fundamental no deslinde da questão em pauta.


Cada área do Direito tem suas especificidades e vicissitudes, e podemos seguramente afirmar que na Justiça do Trabalho não é diferente. Apesar da expectativa de que a elaboração de um laudo pericial será sempre imparcial e técnico, não podemos afirmar que todo laudo pericial é igualmente elaborado, uma vez que a abordagem estratégica, somada ao conhecimento aprofundado do Médico Psiquiatra, são fatores cruciais para uma avaliação assertiva, objetiva e capaz de corroborar e contribuir grandemente para a decisão do Juiz(a) de Direito.


As questões fundamentais que precisam ser abordadas e esclarecidas através de um laudo pericial trabalhista são:


(i)   se há ou não uma doença;

(ii)  qual relação entre a doença e a atividade de trabalho exercida;

(iii)  se há ou não incapacidade decorrente desta doença; bem como

(iv) se esta incapacidade é parcial ou total, temporária ou permanente, sempre apontando sua data de início e término.


Ademais, a expectativa dos advogados(as), por óbvio, é que o laudo pericial trabalhista seja claro, objetivo, detalhado e robusto, proporcionando uma base sólida para a argumentação e defesa dos interesses de seus clientes. Para tanto, tal laudo deve ser escrito de maneira clara e compreensível, evitando jargões técnicos excessivos que podem dificultar a compreensão por parte de pessoas sem formação e expertise médica.


Para garantir a excelência na elaboração de um laudo, este deve incluir uma descrição detalhada dos exames realizados no periciado, dos métodos utilizados e aplicados na perícia e dos resultados observados a partir de uma anamnese ampla e compreensível.


Adicionalmente, deve conter a identificação correta do periciado, qual o questionamento da justiça, os quesitos apontados pelas partes, os documentos de interesse médico para o caso em pauta, bem como o histórico clínico e trabalhista significativo para a demanda.


No item “Descrição” registra-se, visum et repertum, o exame físico e psíquico do periciado. E, se o item “Descrição” é o coração do laudo, o item “Discussão” é o cérebro. Pois é ali que é feita a articulação de todos os dados relevantes a partir do raciocínio clínico, embasado técnica e cientificamente para apresentar uma conclusão clara e objetiva.


As referências a artigos científicos conferem validade ao laudo, demonstrando que as conclusões apresentadas são baseadas em evidências robustas e metodologias aceitas. Além disso, assegura que o laudo está atualizado com os avanços mais recentes da ciência médica e também promove transparência, pois permite que sejam verificas as fontes de informação utilizadas. Desta maneira, a citação de literatura reconhecida fornece uma base sólida os diagnósticos feitos e suas implicações.


Considerando que a relação com o trabalho é parte fundamental deste raciocínio clínico, o laudo deve avaliar detalhadamente a relação entre o transtorno mental apresentado pelo periciado e o ambiente de trabalho.


Neste ponto, a avaliação dos transtornos mentais traz particularidades que exigem do perito e dos operadores do Direito especial atenção. Diferentemente de outras áreas da medicina, nas quais é possível uma avaliação objetiva a partir de métodos e exames que permitem esclarecer os agentes etiológicos de uma patologia, não se pode dizer o mesmo da Psiquiatria. De maneira geral, pode-se afirmar que praticamente a totalidade dos transtornos mentais possui etiologia multifatorial, o que significa dizer que há vários fatores que contribuem para o aparecimento, ou piora, de um transtorno mental.


Assim, a avaliação de causalidade ou concausalidade dos transtornos psiquiátricos com o trabalho é de extrema importância. Pois é a partir desta relação que se pode esclarecer e determinar a responsabilidade ou não do empregador, além de influenciar diretamente no direito de concessão de benefícios trabalhistas e previdenciários. Ademais, ajuda a identificar fatores de risco no ambiente de trabalho, permite a implementação de medidas preventivas e a elaboração de políticas de saúde e segurança mais eficazes.


O perito deve dizer se o transtorno mental apresentado guarda nexo com a atividade laboral exercida, e em caso positivo, em que medida. Se considerarmos que o trabalho é o causador do adoecimento, a condição sine qua non (diga-se de passagem, rara na psiquiatria), tem-se a dita causalidade. Alternativamente, e infinitamente mais comum no meio psiquiátrico, temos a situação no qual o trabalho – junto a outros fatores de risco – contribuiu para o aparecimento do transtorno, configurando então a concausalidade.


Ainda sobre o tema da concausalidade, é importante ressaltar que há uma expectativa da justiça e das partes envolvidas de que os peritos consigam apontar e mensurar com exatidão qual foi a contribuição do trabalho na gênese da moléstia. Considerando a natureza dos transtornos mentais e a riqueza da experiência humana, fica claro que tal tarefa não é nada simples. Todavia, nem tudo está perdido e isso não serve como justificativa para eximir-se de fazer um trabalho bom e responsável.


Existem algumas escalas que visam graduar e padronizar o nexo, mais comumente fala-se em concausa menor ou maior; alternativamente classifica-se em graus: I, II e III – que vão da mais leve à mais grave contribuição do trabalho. E ainda que a psiquiatria como um todo esteja distante das exatidões matemáticas, tais instrumentos permitem ao perito estabelecer e graduar o nexo com o trabalho. Assim, a configuração de um nexo e sua gradação não podem estar ausentes de um bom laudo pericial trabalhista.


Estabelecido o nexo do transtorno mental com o trabalho, é preciso discutir se há incapacidade para as atividades laborais habitualmente exercidas que decorra deste transtorno, e em caso positivo, determinar se a incapacidade é total ou parcial, e se definitiva ou temporária.


Após a avaliação da existência, ou não, da incapacidade; o laudo deve incluir determinação sobre a capacidade de retorno ao trabalho ou necessidade de afastamento. Tais considerações são baseadas na condição de saúde do trabalhador e nos conhecimentos técnicos e científicos, que para além do afastamento ou retorno, pode incluir recomendações práticas para adaptações no ambiente de trabalho, readaptação de função e, ainda que fuja um pouco sobre o objeto da maioria das perícias, até mesmo sobre o tratamento do periciado, quando pertinente.


O último ponto levantado, qual seja, recomendações ou observações acerca do tratamento que o periciado vem realizando, ainda que potencialmente polêmico, muitas vezes faz-se necessário, pois não é incomum deparar-se com doenças mentais cujas alternativas de tratamento não estão esgotadas. Ou ainda, condições nas quais o difícil e muitas vezes custoso acesso ao tratamento – infeliz retrato da sociedade brasileira – pode atuar como elemento na cronificação do transtorno mental.


Ao final de todas estas considerações, que precisam estar contidas no item “Discussão”, chegamos à conclusão do laudo, que deve ser apresentada de forma direta e objetiva, respondendo clara e integralmente à questão determinada pela justiça, bem como as levantadas pelas partes envolvidas.


Por fim, a análise dos elementos acima elencados é o que vai permitir aos advogados devida e robusta sustentação da defesa ou acusação no contexto de uma disputa trabalhista. Para isso, é essencial conhecer os elementos que conferem clareza, tecnicidade, sofisticação e aprofundamento do laudo pericial apresentado.


A partir desta avaliação, os profissionais do direito estarão capazes de apreciar e concluir se o laudo trabalhista representa, de fato, uma ferramenta confiável e bem fundamentada, e se oferece clareza, objetividade, imparcialidade, detalhamento técnico, conformidade legal e tem utilidade prática para esclarecer o questionamento da justiça e auxiliar no deslinde da reclamação trabalhista.


Não podemos deixar de ressaltar, contudo, a importância da assistência técnica de um profissional habilitado junto ao advogado, seja no desenvolvimento dos quesitos, no momento do acompanhamento em si da perícia, no desenvolvimento do parecer e na própria impugnação do laudo. Os médicos psiquiatras forenses, com experiência no desenvolvimento desse tipo de trabalho, atuam justamente para que nenhum ponto passe despercebido e que todos os temas tratados estejam corretamente embasados, o que aumenta exponencialmente a possibilidade de sucesso ao resultado final do processo.

 

Sobre o autor

Dr. José Alceu da Silva Lopes

Médico pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), residência em Psiquiatria e em Psiquiatria Forense pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IPq-HCFMUSP).

Sócio-diretor da Ethos Psiquiatria

Psiquiatra do Núcleo de Psiquiatria Forense do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP (NUFOR-IPq FMUSP).

Professor da Pós-graduação em Psiquiatria Forense no NUFOR-IPq FMUSP.

Médico da Retaguarda Psiquiátrica do Hospital Sírio-Libanês, Médico Psiquiatra do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP)

Professor do módulo de Psiquiatra do Curso de Medicina de Urgência e Emergência do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE).




2 commentaires

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Invité
26 juil.
Noté 5 étoiles sur 5.

Extremamente relevante! Ótima abordagem.

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Invité
25 juil.
Noté 5 étoiles sur 5.

Excelente! Texto extremamente importante e claro.

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